JOSÉ RÉGIO, pseudónimo de José Maria dos Reis Pereira. Nasceu em Vila do Conde, em 1901 e faleceu em 1969.
Este escritor português viveu uma grande parte da sua vida em Portalegre (de 1928 a 1967).
Foi possivelmente o único escritor em língua portuguesa a dominar todos os géneros literários, tendo, nomeadamente, sido poeta, dramaturgo, romancista, novelista, ensaísta, cronista, jornalista, crítico e historiador de literatura.
Foi também um grande coleccionador de arte sacra e de arte popular.
Como escritor, José Régio é considerado um dos grandes criadores da moderna literatura portuguesa. Reflectiu em toda a sua obra problemas relativos ao conflito entre Deus e o Homem, entre o indivíduo e a sociedade.
As suas casas, onde viveu, quer a de Vila do Conde, quer a de Portalegre, são hoje casas-museu.
De todos os seus poemas, há um de que gosto particularmente, talvez pela revolta, pela força, pela determinação que traduz….
CÂNTICO NEGRO
“Vem por aqui” – dizem-me alguns com olhos doces
Estendendo-me os braços e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui”
E eu olho-os com olhos lassos,
Há nos olhos meus, ironias e cansaços
E cruzo os braços
E nunca vou por ali…
A minha glória é esta
Criar desumanidade
Não acompanhar ninguém
Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha mãe
Não, não vou por aí!
Só vou por onde me levam meus próprios passos…
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Porque me repetis: “vem por aqui”?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos como farrapos,
Arrastar os pés sangretos
A ir por aí…
Se vim ao mundo,
Foi só para desflorar florestas virgens
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias sangue velho dos avós
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o loge e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…
Ide, tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras e tratados e filósofos e sábios…
Eu tenho a minha loucura….!
Levanto-a como um facho, arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém…
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo…
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Niguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou…
É uma onda que se alevantou….
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
Sei que não vou por aí.
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