ALEGRIA
Há tantas e tantas coisas que nos proporcionam alegria…, que nos dão imensa alegria…, que enchem a nossa vida de contentamento…
Às vezes são apenas pequenas coisas, pequenos gestos, frases curtas, vivências breves…., ou até mesmo o simples facto de termos a possibilidade de sentir, de viver, de observar, de admirar uma belíssima paisagem !!!...!!!!
E há na verdade paisagens que encantam!!!…
Há efectivamente locais que não se esquecem!!!… De tal maneira que quando os recordamos, somos capazes de, ao pormenor, identificar minuciosamente cada arbusto, cada penhasco, cada caminho…, enfim, cada recanto que num dado momento nos proporcionou essa “enorme alegria” de estarmos naquele local e no privilégio que sentimos por podermos usufruir de tanta coisa bela que a natureza tem para nos oferecer!!!...
Pois bem, MIGUEL TORGA, também sentia a alegria desta mesma forma…, e este texto que a seguir transcrevo, demonstra bem esse seu gosto e o grande apreço pela natureza e pelas paisagens, sobretudo as paisagens do seu País:
“DEVO À PAISAGEM AS POUCAS ALEGRIAS QUE TIVE NO MUNDO.
Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca me entenderam.
Até os mais próximos, os mais amigos, me cravaram na hora própria um espinho envenenado no coração.
A terra com os seus vestidos e as suas pregas, essa foi sempre generosa. É claro que nunca um panorama me interessou como gargarejo. É mesmo um favor que peço ao destino: que me poupe à degradação das habituais paneladas de prosa, a descrever de cor caminhos e florestas.
As dobras e as cores do chão onde firmo os pés, foram sempre no meu espírito coisas sagradas e íntimas como o amor.
Falar de uma encosta coberta de neve sem ter a alma branca também, retratar uma folha sem tremer como ela, olhar um abismo sem fundura nos olhos, é para mim o mesmo que gostar sem língua, ou cantar sem voz.
Vivo a natureza integrado nela. De tal modo, que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espectáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno.
Bem sei que há gente que encontra o mesmo universo no jogo de um músculo ou na linha de um perfil. Lá está o exemplo de Miguel Ângelo a demonstrá-lo.
Mas eu não. Eu declaro aqui a estas fundas e agrestes rugas de Portugal que nunca vi nada mais puro, mais gracioso, mais belo, do que um tufo de relva que fui encontrar um dia no alto das penedias da Calcedónia, no Gerez.
Roma, Paris, Florença, Beethoven, Cervantes, Shaskespeare….. Palavra, que não troco por tudo isso o rasgão mais humilde da tua estamenha, Mãe!”
Miguel Torga, in "Diário (1942)"
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